Ontem publiquei um texto apresentando, sob a
ótica dos beneficiados, o sistema
RENAVE que está previsto para entrar em vigor no próximo mês em todo o território nacional. Hoje vamos analisar o mesmo assunto sob o ponto de vista da
classe de despachantes de trânsito.
Em primeiro lugar, vale ressaltar a origem do
sistema
RENAVE, que foi implantado
através da Deliberação
144 do Contran (Conselho
Nacional de Trânsito) e que você pode acessar na íntegra neste
link, do site do Denatran
(Departamento
Nacional de Trânsito).
O sistema, principalmente na forma apresentada pela mídia,
é muito atraente e sedutor, pois além de supostamente reduzir a burocracia dos
detrans Brasil afora, de quebra, reduz o custo do carro usado, portanto, muito bom para a
sociedade. Como quase tudo neste país, este é mais um
projeto que na forma apresentada pela propaganda, é muito bonito, mas ao ser analisado com mais critério, mostra seus defeitos. Vale lembrar que no Brasil
é comum grupos com poder político e econômico agir em benefício próprio, mas
vendem o projeto posando de bons mocinhos. Este parece ser o caso do RENAVE.
De propósito, apresentei o RENAVE
na forma como foi propagandeado, porém a maioria do pessoal que acessou o conteúdo
e se manifestou a respeito, foram taxativos: é preocupante e muito questionável
a adoção deste sistema. Resumindo, se for implantado, o RENAVE
pode gerar graves prejuízos à forma vigente de atuar do Sistema Nacional de
Trânsito, na área veicular. Departamentos de trânsito e despachantes seriam
seriamente lesados em suas receitas e atividades.
Por outro lado, mesmo todo mundo percebendo
os maus resultados de um sistema nestes moldes, é preocupante o silêncio sobre
o assunto, tanto das autoridades quanto das lideranças do setor de documentação
de veículos por todo o Brasil. O RENAVE
simplesmente altera drasticamente o modo de operar e remunerar de toda a cadeia
profissional envolvida, desde Departamentos Estaduais de Trânsito, Servidores
dos Detrans, Cartórios, Despachantes, Fábricas de Placas, Arrecadação de
Tributos junto às Receitas Estaduais, Fabricantes de Placas Veiculares, Empresas de Vistorias Veiculares, dentre
outros.
Mais uma vez, quem tomou a
iniciativa de questionar, para conhecer melhor os detalhes de projetos nocivos aos despachantes, é o já conhecido Sindepar e Fenadesp.
Através do presidente Everton Calamucci,
foi impetrada
uma Ação Popular, junto à Vara Federal de Curitiba, pedindo
suspensão da vigência da Deliberação
144/2015 do Contran. E a ação já conseguiu causar alvoroço no meio jurídico,
se tornando o primeiro evento relevante neste meio do ano de 2016.
A título de ilustração, para ter uma noção do
tamanho dos oponentes, o projeto do RENAVE
é patrocinado por FENABRAVE
(Federação
Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), pelo Ministro das
Cidades, Gilberto Kassab e, pelo
ex-Ministro da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos (atual
Diretor-Presidente do Sebrae Nacional).
Quanto aos problemas, de forma resumida,
conclui-se que a Deliberação
144/2015 e o seu produto, o RENAVE,
causa um verdadeiro festival de ilegalidades. Vamos citar algumas a seguir, sem ter a intenção de aprofundar a análise em seus detalhes.
Em primeiro lugar, justamente em tempos de
ajuste fiscal, onde todos os entes governamentais estão com dificuldades
orçamentárias e buscam, por todos os meios, aumentar a arrecadação que cai cada
vez mais devido à crise vigente, o Ministro
Gilberto Kassab se vangloria no seu Twitter, que o projeto RENAVE
propõem transferir o montante 6 bilhões de reais dos estados para as lojas de veículos usados.
Pois o projeto, ao isentar as revendas das taxas de transferências (que são
estaduais), na prática está transferindo renda para os lojistas.
Além de o RENAVE
beneficiar, com transferência de renda, um setor que não é exatamente o mais
necessitado do Brasil, ainda infringe a Lei de
Responsabilidade Fiscal, ao renunciar receita dos estados. Com o agravante
de estar o Governo Federal renunciando à receita que não é de sua competência,
contrariando a Constituição
Federal. Além das ilegalidades, a ação dos ministros federais contraria todos os princípios propagandeados pelo Governo Federal, quando o assunto é inclusão social e transferência de renda.
No mesmo sentido de ilegalidades, a Deliberação
144/2015 do Contran, ignora completamente o Código de Trânsito
Brasileiro vigente, ao abolir a emissão do Certificado de Registro de
Veículos e a forma de registrar Comunicação de Venda. Estabelecendo favores a
um setor específico da sociedade com desoneração de taxas e favorecimento nos
procedimentos. É curioso observar que o projeto RENAVE
prevê que enquanto o cidadão comum continua a recolher taxas, fazer vistorias
dos veículos, o negociante que lucra com a atividade, será desonerado destas
obrigações.
As atribuições definidas pelo Código de Trânsito
Brasileiro também são usurpadas quando são subtraídas as atividades exclusivas
dos Detrans e repassadas para o Denatran, pois o RENAVE ficará sob controle do Governo Federal.
Estes são apenas alguns exemplos dos problemas
da Deliberação
144/2015 e não pretendo aprofundar o assunto. Resumindo, é claro que pode
ter ocorrido um lobby do setor de
revendas de veículos usados junto ao Denatran para a implantação do projeto RENAVE.
Independente do resultado que possa gerar a
Ação Popular, podemos tirar algumas conclusões de todo o projeto. No mundo
atual, nenhum setor está imune às mudanças e pressões de outros grupos. E como
os despachantes de trânsito não vivem em uma ilha isolada, é normal que estas
situações surjam o tempo todo. Por isto é importante termos entidades fortes e
representativas para defender os nossos interesses, como o Sindepar e a
Fenadesp (que cá entre nós, precisam ser ainda mais fortalecidas).
Enquanto muitos colegas se iludem com
discussões rasas, problemas pequenos que afetam nosso cotidiano, como por
exemplo, o seguro de R$ 1,80 por processo veicular, outros grupos, que alguns
colegas consideram nossos amigos, estão batalhando por um ganho de R$
6 bilhões de reais no conjunto, ou de R$
980,00 por transferência de veículo – segundo os próprios idealizadores.
Não vamos desmerecer o setor de revendas, que
são importantes para toda a sociedade e são nossos parceiros no dia a dia. Mas
neste projeto específico, o RENAVE,
é evidente o conflito de objetivos com outros segmentos, incluindo os
despachantes.
A FENABRAVE
fez a sua parte ao defender o seu grupo, mas os demais grupos afetados também
precisam se manifestar na implantação do projeto. Assim é a democracia.
Mesmo diante da gravidade do assunto, ninguém precisa entrar em pânico e o Poder
Judiciário tem a competência de decidir qual lado que está com a razão.
Clique aqui para ler o texto de ontem:
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Renave I – Sistema Nacional de Registro de Veículos para Revendas de automóveis usados
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