Na elaboração de planos de desenvolvimento, não existe
modelo único de projeto que possa ser aplicado em todos os municípios. Uma
forma considerada como satisfatória é aquela em que o plano de desenvolvimento
é elaborado no âmbito estadual, sendo baseado e sustentado na Microrregião,
tendo os municípios como agentes executores. A dificuldade de envolver os
governos estaduais, bem como conseguir um consenso mínimo entre os municípios
de uma Microrregião, acabam por dificultar ou mesmo inviabilizar um projeto
mais amplo, que teria por sua vez, maiores possibilidades de sucesso. Com estas
dificuldades restam muitas vezes, apenas as tentativas isoladas de alguns
municípios.
Partindo do pressuposto que a discussão e execução do projeto de
desenvolvimento terá amplitude municipal, sendo coordenado pelo poder público
municipal, através de um Conselho Municipal de Desenvolvimento, contando com a
ajuda do Estado, através das empresas/órgãos sediados nos municípios, pode-se
sugerir, de forma genérica os seguintes passos para a elaboração, execução e
avaliação de um projeto de desenvolvimento baseado no setor rural:
Elaboração
do Projeto de Desenvolvimento
O processo de elaboração de um Projeto de Desenvolvimento Municipal (PDM) deve ser o mais
representativo e democrático possível, pois somente isto assegurará sua
implementação, efetivação e, principalmente, a continuidade independente de
quem esteja no governo. A participação popular deve ser constante, iniciando na
escolha do caráter e necessidade do projeto, definição das demandas, escolha
das prioridades e na execução/fiscalização do Projeto. A metodologia discutida
a partir de agora será em função de aspectos diretamente ligados a questão
rural.
Antes de mais nada, o poder público e/ou as organizações sociais
devem provar a necessidade de um PDM, tornando este debate o mais democrático
possível.
Pode-se numerar as etapas em:
1. Listar todos as entidades e organizações existentes no
município, como: cooperativas, sindicatos, associações, agroindustriais, clube
de lojistas. No caso da agricultura em especial, a identificação de todos os
agentes que atuam no meio rural, tais como Emater, Secretaria da Agricultura,
escritórios de assistência técnica, etc. são de extrema importância.
2. A participação de organizações urbanas é fundamental na medida
em que estas tem peso decisivo na viabilização de recursos (públicos e
privados) para a implantação do projeto, além de serem importantes agentes
deste processo. A participação deste segmento pode ser conquistada através da
informação e discussão dos impactos positivos no setor urbano municipal de qualquer
aumento da renda do conjunto dos agricultores (novamente mostra a necessidade
de extrapolar os limites de um projeto meramente rural).
3. Discutir com todos os setores a necessidade do PDM,
demonstrando a situação atual da agricultura e os impactos positivos a médio e
longo prazos que um plano de desenvolvimento pode trazer.
4. Criar um Conselho para o Desenvolvimento Municipal. É
importante manter/criar Conselhos setoriais para discutir e elaborar políticas
específicas para cada área, como Conselho Municipal da Agricultura, de Saúde,
ou ainda, de Educação, o que pode ampliar ainda mais a participação da
sociedade. A junção das propostas setoriais, definição de prioridades e o
acompanhamento do projeto como um todo podem ser discutidos e aprovados no Conselho
de Desenvolvimento.
5. É fundamental que esta discussão ultrapasse os limites da
administração municipal, pois demanda muito mais tempo do que apenas 4 anos de
gestão, e deve ser mantida independente de quem ou qual partido estiver
dirigindo o município. Os planos plurianuais, parcialmente ou totalmente, podem
e devem ser inseridos no plano de Desenvolvimento, na medida em que são
traçados objetivos e metas a curto, médio e longo prazo para as ações de
desenvolvimento.
6. O Conselho de Desenvolvimento Municipal deve ser o gestor do
projeto, sendo responsável por toda a coordenação (elaboração, fiscalização e
avaliação) do projeto. A execução é mais ampla, passando pelo poder público e
pelas organizações representativas da sociedade, assim como pelo conjunto da
população.
7. Realizar um estudo da realidade municipal, comparando alguns
dados com as médias regionais e estaduais, buscando levantar diferentes tipos
de informações. Primeiramente, deve-se buscar as informações já disponíveis
para o município e região, sobre os quais serão levantadas questionamentos e
traçados hipóteses.
· informações censitárias (população, êxodo, crescimento
populacional, faixas de idade, desnutrição, mortalidade infantil, etc.);
· orçamento do município (fontes de arrecadação municipal,
arrecadação tributaria por produto/setor, principais despesas, PIB per capita,
etc.);
· principais atividades econômicas do município, geração de
empregos, etc.;
· indicadores de saúde, educação, habitação e lazer dos
agricultores;
Parte destas informações, ao nível municipal, normalmente estão
disponíveis na Emater e prefeitura. Ao nível estadual, informações estão
disponíveis no IBGE e em órgãos estaduais de pesquisa. (Paraná - IPARDES, Rio
Grande do Sul - FEE e Santa Catarina - CEPA).
É importante ainda, procurar
saber se existem outros estudos e pesquisas realizados no município,
facilitando a fase seguinte, que é o levantamento de informações e demandas
diretamente junto a população, neste caso, a população rural. Na fase de
levantamento de dados a campo, deve-se buscar questionar os agricultores sobre:
· sócio-cultural: participação das mulheres e dos jovens nas
decisões, divisão do trabalho e das responsabilidades da unidade de produção
familiar, origem étnica, lazer, etc.;
· situação econômica dos agricultores (infra-estrutura, terra,
capital, dividas, renda, etc.);
· os sistemas de produção existentes e quais são os
estrangulamentos destes sistemas;
· entender os motivos das diferenças existentes entre os
agricultores;
· quais são as alternativas encontradas e sendo executadas pelos
agricultores;
· separação dos agricultores por sistemas de produção, tendo a
renda como diferenciador entre as categorias;
· quais são os principais problemas enfrentados pelos
agricultores, e se eles conseguem diferenciar as responsabilidades entre os
três níveis de governo;
· quais são os “sonhos” dos agricultores. O que é uma condição
sócio-econômica ideal para sua família;
· quais são as reivindicações básicas para o poder municipal,
estadual e federal.
A coleta deste tipo de informações podem ser viabilizadas de 4
maneiras, dependendo dos recursos econômicos e do tempo disponível. Cada uma
apresenta vantagens e desvantagens que devem ser consideradas antes da escolha
da metodologia a ser adotada.
1) Realizar um censo de todos os estabelecimentos rurais.
· vantagens: demonstra a real situação econômica dos agricultores,
com dados estatisticamente confiáveis; quantificação das categorias; não
apresenta erros de amostra, que podem acontecer com pesquisas amostrais.
· desvantagens: necessidade de muito tempo; grande aporte de
recursos; os dados são econômicos, não aparecendo informações mais subjetivas e
que podem ser fundamentais na elaboração do projeto (não mostra a lógica de
produção do agricultor).
2) Realizar um pesquisa amostral, entrevistando um número reduzido
de agricultores (1 a 5% do total) , escolhidos aleatoriamente entre as diversas
comunidades. Pode-se ainda, primeiro fazer uma separação por extrato de área e
só então escolher aleatoriamente um número de entrevistados entre cada grupo de
área.
· vantagens: menor tempo e menor custo; Caso opte-se por um número
reduzido de entrevistas, é possível buscar informações subjetivas, extrapolando
apenas informações econômicas e sociais. Isto só é possível com um número
reduzido de entrevistadores.
· desvantagens: pode ocorrer erros na escolha da amostra; caso
busque dados mais qualitativos, diminui a participação de um número maior de
pessoas, o que pode ser interessante para estimular a participação.
3) Conversar com pessoas chaves do município (técnicos, lideranças
atuais e antigas de agricultores, etc.) e fazer uma pré-classificação dos
sistemas e entrevistar amostras dos representantes dos diversos sistemas, sem
rigor estatístico.
· vantagens: baixo custo e menor tempo necessário; maior numero de
dados qualitativos; poucas pessoas envolvidas; maior agilidade na avaliação e
conclusão do estudo.
· desvantagens: problemas de erro amostral; impossibilidade de
quantificação do número de agricultores por sistemas de produção; poucas
pessoas participantes do processo de pesquisa e análise.
4) Conversas com lideres comunitários e realizações de reuniões
nas comunidades, buscando responder às questões necessárias para o entendimento
da realidade e das demandas dos agricultores.
· vantagens: muitas pessoas participando da discussão; baixo
custo; rapidez na análise e nas conclusões.
· desvantagens: impossibilidade de utilizar os dados
estatisticamente, não mostra a realidade e necessidade dos mais pobres, que
normalmente não participam de reuniões.
Pode-se também unificar as metodologias 3 e 4 ou a 2 e 4 expostas
acima, o que aumentaria a participação dos agricultores no processo inicial da
pesquisa e do projeto. A participação popular também pode ser ampliada na fase
de discussão dos dados e elaboração do plano de desenvolvimento. A comunicação
tem um papel fundamental nesta etapa. Uma intensa campanha popular deve fazer
com que a população veja o projeto como fruto de suas próprias demandas, e não
como uma proposta da administração municipal, e tende a agir como estimulante
para a participação popular e, consequentemente, para o sucesso da proposta. A
administração municipal deve ser vista como a principal executora da proposta
popular, recebendo os seus méritos, quando os fizer merecer.
Com base no levantamento dos
dados a nível de campo, já tabulados, deve-se realizar diversas análises de
tendências e perspectivas para alguns produtos agrícolas. Estas informações
serão utilizadas tanto para traçar-se os cenários futuros como para servir de
propostas econômicas alternativas para os sistemas vigentes. A agricultura
sustentável, considerada como a única forma de desenvolvimento adequada ao meio
ambiente e, consequentemente, a sociedade como um todo, deve ser a base da
pirâmide de qualquer projeto ou proposta de desenvolvimento do meio rural.
Com os dados tabulados e analisados é possível traçar 3 cenários
para o município, sendo eles:
· sem intervenção: qual deve ser a realidade dos agricultores,
diferenciados em categorias, em um prazo de 5 e 10 anos, caso sejam mantidas as
atuais políticas, deixando apenas o “livre mercado” agir sobre eles.
· sonhos: como deveria ser o meio rural daqui a 5 e 10 anos do
ponto de vista dos agricultores. Quais são seus anseios e sonhos para uma vida
melhor no campo.
· viável: frente à tendência natural do desenvolvimento e os
sonhos dos agricultores, associado com as condições econômicas e estruturais à
disposição do município, é possível traçar um cenário futuro, fruto da
intervenção conjunta do poder público e privado.
A partir deste patamar, é necessário traçar metas a curto, médias
e longas prazo, sempre baseado na realidade de desenvolvimento considerado como
viável. O Conselho de Desenvolvimento
Municipal (CDM) deve então elaborar propostas técnicas e econômicas para
que se possa atingir os objetivos propostos.
Com mais esta etapa concluída, é necessário retornar aos
agricultores, agora em reuniões com grupos ou por comunidade, buscando discutir
os resultados preliminares e fazer uma síntese das propostas apresentadas
durante as entrevistas, incorporadas com as propostas apresentadas pelo CDM.
Desta forma é possível discutir quais serão as prioridades, bem como a
distribuição das atividades ao longo dos anos. Este momento é fundamental para
o andamento e sucesso do plano, por isto deve-se buscar um problema-chave capaz
de unificar a maioria dos atores envolvidos na colaboração pela sua superação.
Caso primeira ação tenha sucesso, as outras terão maior apoio e sustentação.
A partir dos estudos de mercado, associados aos interesses dos
agricultores e da própria comunidade urbana local que poderão indicar a viabilidade
ou não de projetos como a criação de agroindústrias de ação local, regional ou
mesmo estadual. Os incentivos oferecidos pelo município devem ser destinados às
atividades que tenham perspectivas concretas de viabilidade econômica. É
necessário inclusive, discutir a participação de empresários do município em
projetos econômicos no campo, através da viabilização de capital para
investimento. Alternativas de industrialização não precisam necessariamente ser
exclusivos dos agricultores. Muitos empreendimentos rurais, concretizados
através da organização dos agricultores pode pressentir de investimentos
externos ao grupo, tendo no grupo o controle e a democratização dos recursos
gerados.
Execução
do Projeto de Desenvolvimento
A execução do projeto é a etapa
mais importante do plano de desenvolvimento, embora só terá validade se a
primeira fase obtiver sucesso. A efetiva participação dos agricultores na
formulação do projeto e a sua concordância em relações às conclusões e
propostas é que definirão a viabilidade da concretização do plano de
desenvolvimento rural.
Propostas dispersas para o setor rural, como o incentivo a
construção de açudes, programas de distribuição de calcário, distribuição de
sementes, entre outras práticas comuns às administrações municipais que se
dizem preocupadas com a agricultura, tendem a trazer resultados pouco efetivos
do ponto de vista da viabilidade e manutenção da agricultura familiar em um
município.
Todas as atividades de fomento promovidas pela prefeitura,
coordenada e aprovadas pelo CDM deverão estar de acordo com o projeto de
desenvolvimento municipal, sendo inclusive fruto de constantes avaliações por
parte da sociedade.
Discutir prioridades e definir metas são duas etapas que
normalmente geram conflitos, na medida em que interesses pessoais começam a ser
disputados. Do ponto de vista prático, não é viável a administração colocar
toda a sua infra-estrutura a disposição do plano de desenvolvimento, mas sim,
deixar uma pequena parte dela destinada a resolver problemas emergenciais e
conjunturais do município, que normalmente precisam ser solucionadas
rapidamente, caso contrário, pode comprometer todo o plano traçado.
Avaliação
do Projeto de Desenvolvimento
Uma vez definidas as políticas e
os prazos para a execução, começa a fase de fiscalização e avaliação do
projeto. Esta fase, que normalmente é colocada em segundo plano, tem uma função
primordial para o sucesso de um plano de desenvolvimento municipal. Primeiro, a
avaliação dos rumos do projeto deve ser constante. Nenhum projeto de
desenvolvimento pode ser considerado acabado e eterno. Reavaliações dos rumos e
das metas devem ser constantes para que o projeto possa se adequar à realidade
e a fatos conjunturais, mais em nenhum momento pode perder o caráter inicial e
estratégico de desenvolvimento a que se propõe. A fiscalização também não pode
ser vista como uma função externa ao projeto, mas como parte integrante e
comprometida com os objetivos do projeto de desenvolvimento. O processo de
avaliação deve contar com a participação do próprio Conselho de Desenvolvimento
Municipal, associada com a participação da sociedade. O processo de avaliação
deve basear-se nas metas propostas para cada período, associados com resultados
concretos para os agricultores. A avaliação deve ser realizada sempre
comparando os cenários apontados anteriormente caso não existisse nenhuma
intervenção e o considerado como viável com os recursos e propostas apontados
no projeto.