quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Aspectos econômicos e históricos da Erva-mate na sociedade paranaense




Introdução

A erva-mate é apontada pela maior parte da bibliografia referente ao assunto como o primeiro produto a impulsionar tanto a economia quanto as relações sociais da então província do Paraná, tanto que teve o maior peso econômico para o processo de emancipação política da mesma. É também apontada como um dos “ciclos” da economia do Estado do Paraná, que antecedeu o da madeira. Foi o responsável pela primeira fase da industrialização do Estado, diretamente relacionado à implantação de indústrias para o beneficiamento da erva-mate. No presente trabalho serão abordados os principais aspectos da atividade ervateira no Paraná, através de pesquisas bibliográficas publicadas sobre o assunto.

1 – Caracterização da Erva-mate

A erva-mate, que tem o nome científico Ilex paraguariensis, é uma planta originária da América do Sul, ocorrendo naturalmente na Argentina, Brasil e Paraguai. A Região Sul do Brasil é a maior produtora de folhas, matéria-prima utilizada na fabricação de bebidas típicas como o chimarrão e o tererê. A forma mais difundida para saboreá-la é o chimarrão (infusão de água quente com erva-mate beneficiada) preparado em recipientes típicos conhecidos como cuias. Esse modo de preparo é a principal forma de consumo do produto no Brasil. Segundo RUCKER in SANTOS (2004), 90% do consumo da erva-mate se dá na forma de chimarrão. A erva-mate oferecida ao mercado consumidor nesta forma de apresentação é a responsável pela sustentabilidade do setor ervateiro.

A erva-mate (Ilex paraguariensis Saint Hillaire) pertence à família Aquifoliaceae e é considerada um produto de origem florestal não madeirável, com cultivo denominado de silvicultura. A erva-mate é uma árvore perene semelhante a uma laranjeira, com seis a oito metros de altura, nativa da América do Sul. A área de ocorrência natural, apresentada na Figura 1, compreende o Noroeste Argentino, Leste do Paraguai e Sul do Brasil. A zona ervateira brasileira com produção agroindustrial está localizada nos estados produtores: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e o sul do Mato Grosso do Sul (SANTOS, 2004).

A erva-mate forma um dos sistemas mais característicos brasileiros, sendo explorada de forma nativa (na mata, em pastagens, com culturas anuais e adensada) e cultivada solteira ou em sistema agroflorestal com culturas anuais (feijão, milho, soja, mandioca, arroz, etc.), em consórcio com outras espécies florestais, com pastagem, fruticultura, etc.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, em 1998, a produção brasileira foi de 325 mil toneladas de erva cancheada, estando concentrada nos Estados do Paraná (49,4%), Santa Catarina (21,4%), Rio Grande do Sul (28,1%) e Mato Grosso do Sul com 1,1% da produção. Além do grande número de agricultores envolvidos na produção primária, para o processamento dessa produção existem 224 micro-empresas, 460 pequenas empresas e 66 médias/grandes empresas totalizando 750 empresas no Brasil.

Segundo o livro “A Erva-Mate e o Parque Histórico do Mate", o termo “mate” é proveniente da língua quíchua “mati” que era a designação da cuia, recipiente onde é preparado a bebida, e este nome passou do recipiente ao seu conteúdo, sendo adotado a palavra mate, em toda a América do Sul, para denominar a bebida feita da erva-mate.


FIGURA 1 – ÁREA DE OCORRÊNCIA DA ERVA-MATE EM PAÍSES DO CONE SUL

FONTE: Gerhardt, 2013.

Atualmente a exploração da erva-mate ainda é uma atividade importante na economia brasileira, especialmente na paranaense, devido, basicamente, às seguintes características (EMBRAPA):
a) Ambiental: quando plantada em curvas de nível, contribui no combate à erosão do solo;
b) Social: no Brasil, atualmente, é produzida em 180 mil propriedades rurais de 596 municípios, gerando mais de 710 mil empregos diretos constituindo-se numa das poucas opções de emprego e renda no meio rural, principalmente nos meses de junho, julho e agosto, época da concentração da poda (colheita);
c) Econômica: além de ser a principal atividade econômica de muitos produtores e municípios, rende diretamente mais de R$ 175 milhões anuais.

2 - Beneficiamento

No início da fase de exploração da erva-mate, o processo de beneficiamento da iniciava ainda nos ervais, após o corte, era feito o sapeco dos ramos, que em seguida eram transportados para o carijo ou barbaquá, em forma de feixes ou raídos, pesando de 60 até 150 quilos, que o ervateiro levava às costas, muitas vezes em longos percursos. Depois da secagem definitiva a produção do mate era transportada para o litoral notadamente para Porto de Cima, por tropas de muares, para ser beneficiada nos engenhos de soque que começaram a se instalar a partir de 1820, ano em que Antonio Ricardo dos Santos estabelece o primeiro soque hidráulico, que beneficiava 120 arrobas diárias de erva.

Apesar das dificuldades para o transporte, devido às precárias vias de escoamento ao litoral, já em 1832, instala-se no planalto, o primeiro engenho de soque. Mas foi com a conclusão da Estrada da Graciosa em 1873, que a indústria ervateira teve grande impulso e Curitiba passou a ser o centro de beneficiamento. Surgiram novos engenhos e a erva já elaborada, descia ao litoral transportada em carroções eslavos, tracionados por até quatro parelhas de cavalos.

Sendo inaugurada a navegação a vapor no rio Iguaçu em 1882 por iniciativa de Amazonas de Araújo Marcondes, a partir de então, durante 70 anos, embarcações de todos os tamanhos, navegaram pelos rios: Iguaçu, Negro, Potinga, Timbó e Canoinhas. Os vapores maiores carregavam em média 800, e as lanchas, 300 sacos de erva-mate. Usavam lenha como combustível e atingiam uma velocidade de 10/12 km horários rio acima e de 16/18 km rio abaixo.

Com o passar dos tempos, os meios de transporte tradicionais foram superados pela ferrovia. O trecho ligando Curitiba aos portos de Antonina e Paranaguá em breve transforma-se na principal via para o escoamento da erva-mate destinada à exportação. Já no ano de 1826, a exportação ervateira se constituía na base de todo o comércio exterior da quinta Comarca, razão pela qual foi criada um ano depois, a Alfândega de Paranaguá. Eram inicialmente bergantins, galeras e sumacas e posteriormente navios, que partiam de Paranaguá com destino ao Rio de Janeiro, Buenos Aires, Valparaíso e Montevidéu. No extremo oeste paranaense a Companhia Matte Laranjeira ganhou em 1882, por Decreto Imperial a concessão para exploração da erva-mate no sul do Mato Grosso. O transporte era efetuado pelo rio Paraná e para transpor as corredeiras das Sete Quedas, foi construído um ramal ferroviário entre Guaíra e Porto Mendes.


3 - Aspectos históricos da Erva-mate

Os primeiros a fazerem uso da erva-mate foram os índios Guaranis, que habitavam a região das bacias dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai, na época da chegada dos colonizadores espanhóis. De meados do século XVI até aproximadamente 1632 a extração de erva-mate era a atividade econômica mais importante da Província Del Guairá, território que abrangia praticamente o Paraná, e no qual fora fundado 3 cidades espanholas e 15 reduções jesuíticas (Histórico da Erva-mate).

O uso desta planta como bebida tônica e estimulante já era conhecido pelos aborígenes da América do Sul. Em túmulos dos pré-colombianos no Peru, foram encontradas folhas de erva mate ao lado de alimentos e objetos, demonstrando o seu uso pelos incas.
A tradição do chimarrão é antiga. Soldados espanhóis aportaram em Cuba, foram ao México "capturar" os conhecimentos das civilizações Maia e Azteca, e em 1536 chegaram à foz do Rio Paraguay. No local, impressionados com a fertilidade da terra às margens do rio, fundaram a primeira cidade da América Latina, Assunción del Paraguay.

Os desbravadores, nômades por natureza, com saudades de casa e longe de suas mulheres, estavam acostumados a grandes "borracheras" - porres memoráveis que muitas vezes duravam a noite toda. No dia seguinte, acordavam com uma ressaca proporcional. Os soldados observaram que tomando o estranho chá de ervas utilizado pelos índios Guarany, o dia seguinte ficava bem melhor e a ressaca sumia por completo.

Assim, o chimarrão começou a ser transportado pelo Rio Grande na garupa dos soldados espanhóis. As margens do Rio Paraguay guardavam uma floresta de taquaras, que eram cortadas pelos soldados na forma de copo. A bomba de chimarrão que se conhece hoje também era feita com um pequeno cano dessas taquaras, com alguns furos na parte inferior e aberta em cima. O comerciante Rômulo Antônio, dono da Casa do Chimarrão, em Passo Fundo, há mais de 20 anos, explica que os paraguaios tomam chimarrão em qualquer tipo de cuia. "Até em copo de geléia", diz. São os únicos que também têm por tradição tomar o chimarrão frio... O "tererê" paraguaio pode ser tomado com gelo e limão, ou utilizando suco de laranja e limonada no lugar da água.

Os primeiros jesuítas estabelecidos no Paraguai (posteriormente nas missões), fundaram várias feitorias, nas quais o uso das folhas de erva mate já era difundido entre os índios guaranis, habitantes da região.
Posteriormente observou-se que os indígenas brasileiros, que habitavam as margens do rio Paraná, utilizavam-se igualmente desta Aquifoliácea. Outras tribos não localizadas em regiões de ocorrência natural da essência, possuíam o hábito de consumi-la, obtendo-a através de permuta (trocas) (UCS).

Esteio da nossa economia por longo período, a erva-mate é considerada a primeira atividade agroindustrial organizada do Paraná. No fim do século XIX, a erva-mate dominou a economia e criou uma nova fonte de riqueza para os líderes que partilhavam o poder. Com o aparecimento das estradas de ferro, ligando a região da araucária aos portos e a São Paulo, já no final do século XIX, ocorreu novo período de crescimento. A grande importância do mate no estado do Paraná pode ser comprovada ao analisar o processo de emancipação política, concretizada em 19 de dezembro de 1853, quando foi o maior argumento de ordem econômica e sendo o principal responsável pela efetivação desta.

Bento Munhoz da Rocha, governador do Paraná, disse, neste sentido: "essa preciosa ilexinia tem sido o grande bem do Paraná. Em verdade a erva-mate constitui a coluna de ouro da nossa riqueza econômica, dela emanam as nossas principais fontes de renda, nela assenta todo o engrandecimento e prosperidade do Paraná".

A erva-mate, responsável por um dos mais longos e produtivos “ciclos” econômicos da história paranaense, teve seu apogeu, no século XIX. Nesta época o Paraná era somente a quinta Comarca da Província de São Paulo, da qual dependia e sofria influência nos negócios internos. Com o advento do mate, surgiu uma atividade com técnicas que os paulistas desconheciam, fugindo-lhes das mãos o controle da florescente indústria. No bojo da atividade ervateira, que chegou a representar 85 por cento da economia da nova província, instalaram-se indústrias: em 1853 existiam 90 engenhos de beneficiamento de mate; floresceram cidades como Guaíra, desbravada e colonizada pela Companhia Matte Laranjeira S. A., Rio Negro que abrigava uma burguesia ervateira abastada e influente e tantos outros centros urbanos que evoluíram de portos fluviais como União da Vitória, Porto Amazonas e São Mateus do Sul.

Na história de Curitiba, capital do Paraná, ao garimpo e às tropas seguiu-se a erva-mate, convivendo com a madeira. A erva-mate nativa, primeiro apenas extraída, acabou gerando um ciclo econômico forte quando começou a ser beneficiada no próprio Paraná. Surgiram os engenhos e os seus senhores, os chamados "Barões da erva-mate", que residiam em Curitiba. Da passagem do século XIX para o século XX e até as primeiras décadas deste, a cidade viveu com alguns engenhos e muitas mansões, caracterizando os atuais bairros Alto da Glória e Batel.

O abastecimento alimentar sempre foi problemático para os governantes de Curitiba. No início do século 19, a valorização da erva-mate no mercado internacional agravou a situação por causa do aumento do número de engenhos e a decorrente redução de agricultores que cultivavam os alimentos básicos. Ao mesmo tempo em que a economia e o comércio urbano se expandiam, a população sentia os reflexos da carestia de gêneros alimentícios (PARANÁ).

Enquanto os engenhos de mate se espalhavam na região onde hoje se situa o bairro Rebouças, os proprietários, conhecidos como “barões do mate”, e que enriqueceram às custas da erva colhida e processada, e depois exportada para várias partes do Brasil e até do mundo, construíram palacetes cada vez mais sofisticados, e tomaram conta do atual bairro do Batel. O acesso era feito pela antiga Estrada do Mato Grosso, a atual Rua Comendador Araújo (PARANÁ).

O setor na época já tinha iniciativas de organização, pois entre 1938 e 1957 existiu o Instituto Nacional do Mate, que embora se localizasse no Rio de Janeiro, ou seja, bem distante dos produtores, este incentivava e orientava todos os participantes do setor. No entanto, após o Golpe de 1964, foi extinto o referido órgão público e, logo em seguida, criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), que, sediado em Brasília, concentrou suas atividades em outros setores, como de pínus e eucaliptos, deixando a erva-mate em uma situação irrelevante perante o órgão.

Foi na esteira do chamado “ciclo” da erva-mate que os transportes tiveram grande impulso: desenvolveu-se a navegação fluvial no rio Iguaçu; construiu-se a Estrada da Graciosa e a Ferrovia Curitiba-Paranaguá, concluída em tempo recorde de apenas cinco anos.
Notável foi a influência da erva-mate no comportamento social da população das regiões ervateiras e de Curitiba, especialmente, onde até o início da Revolução de 1930, existiam mais de uma dúzia de engenhos.

Segundo Rucker et all (2003):

O Paraná sempre se destacou pela grande produção de erva-mate, colhida por milhares de trabalhadores em ervais nativos ou em áreas de ervais plantados. A venda da erva colhida sempre representou uma fonte de recursos para a subsistência de muitas famílias no meio rural. Como se não bastasse a presença da atividade ervateira em boa parte das pequenas propriedades rurais paranaenses, as maiores empresas processadoras do produto também estão localizadas no Estado.

Paralelo à indústria ervateira, desenvolveram-se fábricas de barricas para acondicionar o produto e suas sociedades de classe, como a Sociedade Beneficente dos Barriqueiros do Ahu entre outras. Com todo este progresso econômico e social, o Paraná acabou subitamente introduzido nos tempos modernos, surgindo um certo bem-estar e confiança no futuro. Foi a erva-mate o esteio econômico do Estado, até o início da II Guerra Mundial, quando a produção começou a declinar sendo substituída por outros ciclos, que não chegaram a ter, entretanto, a ressonância e o esplendor da erva-mate. Longos e árduos foram os caminhos percorridos pela erva-mate, ajudando a escrever a história econômica e a tradição cultural do Paraná.

Na atualidade, segundo a Embrapa, o cultivo da erva-mate abrange cerca de 180.000 propriedades dos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. As propriedades em que ela é cultivada são, na maioria, pequenas e médias o que lhe assegura uma importância social expressiva.

Conclusão

A erva-mate foi um dos mais importantes produtos econômicos na história do Estado do Paraná, pois gerou riquezas e fortaleceu politicamente a população para ser efetuada a emancipação política da então província que era ligada à de São Paulo. Foi uma atividade que gerou empregos, promoveu um início de industrialização, e a colonização do interior do Estado. Também é importante que teve ligação com a formação de muitas cidades paranaenses, como Curitiba, por exemplo, que no auge da exploração da atividade, teve o seu desenvolvimento atrelado à geração dos lucros do mate, quando surgiram os chamados “barões da erva-mate”. Ainda hoje a erva-mate é representativa, mantendo o Estado como o maior produtor do Brasil, exportando, inclusive, parte da produção.

Ver mais em:



Referências

SANTOS, K. A. DOS. Estabilidade da erva-mate (ilex paraguariensis st. Hill.) em embalagens plásticas. Dissertação de mestrado Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2004. Disponível em: DF/ervamate_klebertese.pdf> Acessado em 15 de novembro de 2007.

HISTÓRICO DA ERVA-MATE. Disponível em: <http://www.pr.gov.br/phmate/historico.html>. Acessado em 15 de novembro de 2007.

História do Chimarrão. Disponível em: . Acessado em 15 de novembro de 2007.

RUCKER, N. G. de A et all. Agronegócio da Erva-Mate no Estado do Paraná - Diagnóstico e Perspectivas para 2003. Disponível em: <>. Acessado em 15 de novembro de 2007.

EMBRAPA – Disponível em: Acessado em 15 de novembro de 2007.


UCS – Universidade de Caxias do Sul . Disponível em: <http://www.ucs.br/ccet/defq/naeq/material_didatico/textos_interativos_19.htm>. Acesso dia 15 de Novembro de 2007.PARANÁ - Breve História do Abastecimento em Curitiba Uma viagem no tempo. Disponível em: <http://www.viaje.curitiba.pr.gov.br/mercado/historia_proposta.html>. Acessado em 15 de novembro de 2007.


quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Biografia de Bernardo Hakvoort [Bernardus Henricus Franciscus Hakvoort]



Bernardus Henricus Franciscus Hakvoort, ou Bernardo Hakvoort (Bergh, Holanda, 04 de Outubro de 1949 – Guarapuava, 26 de Junho de 1997) foi um agrônomo, agricultor e liderança turvense, convicto defensor da agricultura familiar sustentável e das florestas de araucária.

Neste post você saber mais sobre estas questões:
- Quem foi Bernardo Hakvoort?
- Biografia de Bernardo Hakvoort.
- Desenvolvimento Sustentável dem Turvo.

Bernardo Hakvoort, nasceu e cresceu na área rural do município de Bergh, região leste da Holanda, na fronteira com a Alemanha.


Veio para o Turvo a convite do Padre João Adolfo Barendse junto com sua esposa Inês Vercauteren Hakvoort no ano de 1977. Seu primeiro trabalho foi visitar as comunidades em companhia do Padre João Adolfo Barendse, conhecendo a situação de cada uma, em seguida passou a implantar nas comunidades campos demonstrativos de como melhorar a produção das lavouras tradicionais de milho e feijão, ao mesmo tempo em que junto com sua esposa começava a organizar grupos de jovens e de mulheres enviando lideranças para curso de formação.

Produtor Rural, engenheiro formado na Escola Superior de Águas, Solos e Florestas da Holanda.

Especializou-se em Planejamento e Política de Desenvolvimento Rural, com estágio e cursos em Israel. Oklahoma (EUA), Portugal, Alemanha e Suíça.

Foi cofundador das seguintes instituições:

- Pastoral Rural da Diocese de Guarapuava;
- Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Turvo;
- Fundação para o Desenvolvimento Econômico da Região Centro – Oeste do Paraná (Fundação RURECO);
- Instituto Agroflorestal (IAF), do qual foi presidente.

Faleceu em Guarapuava no dia 26 de Junho de 1997.



O MUNICÍPIO DE TURVO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, A PARTIR DO ESTUDO BIOGRÁFICO DE BERNARDO HAKVOORT
1977-1997

Rokely Scheifiter de Ramos
Departamento de História
UNICENTRO, Guarapuava – Paraná
Orientador : Prof. Dr. Ariel José Pires

Resumo: O estudo proposto tem por objetivo, a partir da biografia de Bernardo Hakvoort e de seus projetos para o desenvolvimento sustentável do município de Turvo, reconstituir as premissas básicas de seu pensamento, o que envolve compreender o contexto histórico em que o mesmo estava inserido. Tendo em vista a seguinte problemática: a produção agrícola dominante das monoculturas, a conseqüente concentração de renda, e a destruição ambiental, buscar-se-á evidenciar o trabalho iniciado pelo biografado no município de Turvo, para a preservação dos remanescentes naturais.

Palavras-chave: biografia, meio ambiente, desenvolvimento sustentável, agricultura familiar e história.

Abstract: The considered study it has for objective, from the biography of Bernardo Hakvoort and its projects for the sustainable development of the city of Turvo, to reconstitute the basic premises of its thought, what it involves to understand the historical context where the same was inserted. In view of following the problematic one: the dominant agricultural production of the monocultures, the consequent concentration of income, and the ambient destruction, will search to evidence the work initiated for the biografado one in the city of Turvo, for the preservation of the natural remainders.

Key-words: biography, environment, sustainable development, familiar agriculture and history.

1. Introdução

Neste início do século XXI, as questões ambientais estão sendo colocadas em primeiro plano no debate sócio-político. Em nível mundial, presenciamos uma intensa discussão acerca da queima de combustíveis fósseis e seus malefícios, no cenário nacional a discussão vai além da busca por sugestões para os problemas ambientais que estão sendo evidenciados. Buscam-se também alternativas para diminuir o índice de pessoas que passam fome, paradoxalmente, nesse país de grande produção agrícola considerado o “celeiro do mundo”. Torna-se necessário então o incentivo à agricultura familiar e ao desenvolvimento sustentável com propostas de produção sem insumos poluidores. A presente pesquisa busca referendar esse processo, tomando por base projetos desenvolvidos no município de Turvo, entre 1977 e 1997, por meio de um estudo biográfico sobre o ambientalista holandês Bernardo Harkvoort, cuja atuação para a recuperação e utilização sustentável do ecossistema, transformou-se em referência para todo o Paraná.

Ao promover a introdução da presente pesquisa, é necessário que se recorde, que a partir de 1950, o Brasil começou a desenvolver sua indústria pesada ou de base, e que o desenvolvimento industrial desse período combinou investimentos estatais em setores estratégicos como a siderurgia e a geração de energia com investimentos estrangeiros. A mudança capitalista que se processava no Brasil visava uma maior inserção na economia mundial exigindo que se aumentassem as exportações em nome do desenvolvimento econômico brasileiro, repetindo um modelo clássico bastante criticado pelo historiador Caio Prado Júnior na obra História Econômica do Brasil (1998).

O sociólogo Octávio Ianni, em O ciclo da revolução burguesa, analisa que nesse contexto de mudança capitalista iniciou-se uma “política de modernização”, que visava tornar a agricultura brasileira mais dinâmica e produtiva, por meio de financiamentos agrícolas, para serem investidos em equipamentos modernos. Mas, a política modernizadora não levou em conta as implicações sociais que esse processo acarretaria, a introdução de novas tecnologias no cultivo agrícola geraram uma redução de mão-de-obra e consequente êxodo rural, além disso, excluiu os pequenos proprietários desse processo, sendo que essa modernização contribuiu para fortalecer a concentração de renda. Segundo ele: “O processo histórico da revolução burguesa brasileira relaciona-se com o problema da formação de uma economia capitalista. Trata-se de caracterizar a feição autoritária adquirida pela revolução burguesa no Brasil. Trata-se de uma sociedade na qual a passagem para o capitalismo ocorre sem alteração na estrutura agrária”. (IANNI,1984, p. 31).

Essa política agrícola privilegiou na segunda metade do século XX, a grande e a média propriedade com créditos, em detrimento dos pequenos agricultores. Ianni observa que:

Todas as grandes alternativas concretas vividas pelo nosso país, direta ou indiretamente, aquela transição (Independência, Abolição, República, modificação do bloco de poder em 30 e 37, passagem para um novo patamar de acumulação em 64), encontraram uma resposta na qual a conciliação “pelo alto”, não escondeu jamais a intenção explicita de manter marginalizados ou reprimidos, de qualquer modo, fora do âmbito das decisões – as classes e camadas sociais “de baixo”. (IANNI, 1984, p. 31).

É frente a essa problemática, que evidencia a utilização inadequada dos recursos ambientais e de uma política agrícola “excludente”, que empreendemos o presente estudo, onde, procurar-se-á relatar brevemente a atuação de Bernardo Hakvoort na sociedade Turvense. Para tanto, apresentaremos uma visão panorâmica da sociedade, bem como da relação do biografado com a mesma – sua participação em movimentos sociais, na estruturação de sindicatos, associações e demais projetos que visavam o desenvolvimento local. 

O foco geográfico da pesquisa será o município de Turvo, ao qual remeter-se-á com o intuito de compreendê-lo enquanto cenário dinâmico, não só do biografado, mas da coletividade da qual faz parte. O recorte temporal está centrado entre os anos de 1977 - referente à chegada de Hakvoort no município, e de 1997 - ano de seu falecimento, o município no período abordado vivenciava a emancipação política, a corrida pela madeira – principalmente a araucária, e pela erva-mate, enquanto buscava a formação de uma identidade local e sobretudo, o progresso econômico.

Tendo em vista tal contexto algumas perguntas poderão ser colocadas para problematizar o assunto: que motivos o teriam levado a acreditar no desenvolvimento sustentável, justamente em um momento histórico em que a mentalidade humana ainda estava impregnada pelos ideais iluministas como o de progresso? Em um momento em que a população turvense e paranaense em geral estavam vivenciando a corrida pela madeira? Em que se baseavam e qual a importância de seus projetos para o desenvolvimento local da época?

É na busca de levantar hipóteses para responder a essas e outras perguntas, para refletir sobre o desenvolvimento auto-sustentável, a viabilidade da agricultura familiar dentro do modo de produção capitalista e sobre a importância da consciência ambiental nos dias atuais que conduzir-se-á esse trabalho. Destaca-se ainda como justificativa para a escolha desse tema à escassez de produção historiográfica sobre o município.

Como referencial básico para esse estudo utilizar-se-á a obra: Turvo no caminho do desenvolvimento sustentável de autoria do biografado, entrevista com Agnes Vercauteren Hakvoort, e fontes documentais dos arquivos: do sindicato dos trabalhadores de Turvo, da Associação dos Hortifrutigranjeiros e do Instituto Agroflorestal Bernardo Hakvoort.

2. A redescoberta da história biográfica

Ao optar pelo tema em questão torna-se necessário fazer uma breve releitura sobre o estudo biográfico, que durante um bom tempo foi relegado a um segundo plano por muitos historiadores.

Na transição do século XX para o século XXI, percebe-se um redespertar, ou como denominaram alguns autores um retorno do gênero biográfico, que ressurge com uma nova roupagem, não se restringe apenas em revelar o sujeito através de uma narrativa linear. Sobre essa nova roupagem, comentou Francisca Nogueira de Azevedo, na obra Biografia e gênero:

Hoje a biografia é um modelo de escrita da história nitidamente definida. Há uma metodologia explicitada na qual a biografia não se destina mais ao julgamento feito por seus autores, mas sim a uma construção relevante sobre hipóteses cujos pressupostos serão confirmados ou não. Seu objetivo fundamental é levar a compreensão da época que, como a montagem de um quebra-cabeça, pouco a pouco vai revelando o que permanente, indicando as diferenças, permitindo perceber a realidade dos problemas sociais através do concreto de uma vida. (AZEVEDO, 2000. p. 133). 

Assim sendo, torna-se fundamental para o desenvolvimento de um estudo biográfico a observação feita por Pierre Bourdieu, de que não se pode tratar a vida como um relato coerente de uma seqüência de acontecimentos, pois tal procedimento equivaleria a reduzir a vida ao que ele chama de “ilusão biográfica”. 

Tentar compreender uma vida como uma série única e por só suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vinculo que não a associação a um “sujeito” cuja constância certamente não  é senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto de um metro sem levar em conta a estrutura da rede ...  (BOURDIEU, 1998. p.189).


Além dessas noções - do que o estudo biográfico pretende ser hoje, e do que ele não pode vir a ser, há que se articular outros conceitos que servirão de base para a compreensão do tema proposto. Procurar-se-á interligar a história de vida do biografado, relacionando-a com o que o município de Turvo possui hoje em termos de desenvolvimento sustentável, incluindo-se aí a sua relevância para desenvolvimento da agricultura familiar, para a recuperação e utilização sustentável, e a própria atuação do Instituto Agroflorestal Bernardo Harkvoort.

3. O biografado
Bernardo Hakvoort

O biografado, Bernardo Hakvoort, produtor rural, engenheiro formado pela Escola Superior de Águas, Solos e Florestas da Holanda, especializado em Planejamento e Política de Desenvolvimento Rural, com estágios e cursos em Israel, Oklahoma (EUA), Portugal, Alemanha e Suíça foi co-fundador da Pastoral Rural da Diocese de Guarapuava, da Associação dos Hortifrutigranjeiros de Turvo, Sindicato dos trabalhadores rurais de Turvo, Fundação para o Desenvolvimento Econômico Rural da Região Centro-Oeste do Paraná (Fundação RURECO) e do Instituto Agro Florestal (IAF).(PREFEITURA MUNICIPAL DE TURVO, 1987).

 Em sua obra “Turvo no caminho do desenvolvimento sustentável” publicada após a sua morte, o autor apresenta suas ideias para o desenvolvimento de Turvo, para ele o desenvolvimento tem que ter quatro esteios como base: a fé (ética, moral), a saúde, o ensino e a economia (a produção).

A principal militância de Hakvoort foi na área social e econômica, estudar sobre sua vida, seus pensamentos compreende também perceber o momento histórico no qual estava inserido, o seu envolvimento com o contexto pode revelar muito sobre a história dessa época.

Hakvoort era filho de agricultores, nasceu na região leste da Holanda em 04/10/1949, ajudava na agricultura e nas criações com seus pais, na juventude, como membro de um grupo de jovens, ajudou na organização da juventude rural da sua comunidade e região, e trabalhou na organização da Juventude Rural do seu país participando de vários intercâmbios em diversos continentes. Seguindo a tradição agrícola da sua família foi para a Universidade e se formou em Engenharia Agrícola e Recursos Hídricos.

Chegou em Turvo em 1977, com sua esposa Agnes Vercauteren Hakvoort, seu primeiro trabalho foi visitar as comunidades em companhia do Padre João Adolfo Barendse, conhecendo a situação de cada uma, em seguida passou a implantar nas comunidades campos demonstrativos de como melhorar a produção das lavouras tradicionais de milho e feijão, ao mesmo tempo em que junto com sua esposa começava a organizar grupos de jovens e de mulheres enviando lideranças para curso de formação (HAKVOORT, 1998).

Em entrevista temática realizada com Agnes Vercauteren Hakvoort em 06/07/2007, ela nos relatou que quando chegaram na região de Turvo, a comunidade recepcionou-os com uma festa, lembrou com entusiasmo que “no início o povo estava esperando que fizéssemos milagres, mas a gente não conhecia a realidade aqui, então na verdade nos primeiros dias, o trabalho era visitar as comunidades com o Padre, e aprender muito; o que era um pé de mandioca, todas as culturas aqui, e aprender o português que era muito difícil”. Agnes o conheceu em Portugal, em 1973, nesse momento ele estava muito envolvido com grupos de jovens, e se preocupava em demasia com problemas ambientais em nível mundial. 

Sobre a vinda para o Brasil relata:

“tínhamos vontade de vir para América Latina, nesse período encontramos uma carta do Padre João Adolfo Barendse, que pedia um casal para fazer parte de um trabalho que já estava sendo realizado em Turvo, ele queria um engenheiro agrônomo para trabalhar, já haviam procurado no Brasil, mas como no momento vivia-se a revolução verde, os agrônomos eram muito procurados, nenhum queria vir para o Turvo” (VERCAUTEREN, Entrevista Temática, 06/07/2007).

Um ano depois foi organizada a Associação dos Hortifrutigrangeiros em Turvo que, segundo ela tinha “no mínimo vinte sócios, desde o início então a associação tinha um departamento de provisão, outro administrativo e outro que era mais a parte educativa, nós trabalhávamos com os jovens e com as mulheres organizando cursos”. Sobre a comercialização destaca que “naquela época estavam fazendo o asfalto, tinha uma vila grande de operários, um acampamento onde moravam mais de 18 famílias, então eles precisavam comprar as coisas, organizamos uma feira e todo sábado tinha lá então verduras, ovos, leite (...) tinha de tudo lá, era bem animada aquela feira, muitos anos ela funcionou”.

Hakvoort dava apoio técnico a esses pequenos produtores, ensinava como utilizar melhor o solo, horticultura, a fazer adubo orgânico... Quando chegou utilizava-se ainda a técnica da queimada e a produção apresentava pouca diversidade, era basicamente composta pelo cultivo do milho e feijão. A partir da criação da associação passou-se a incentivar outros cultivos e criações, como frangos, nesse momento a associação estabeleceu vínculos com a Batavo e na medida que a produção foi aumentando a sobra foi sendo levada para Guarapuava.

Agnes conta-nos que o trabalho desenvolvido por ela e seu esposo não se restringia ao município de Turvo:

Bem, a gente sempre teve não só trabalho aqui no Turvo, mas através da igreja ligada a outras paróquias aqui na região através da pastoral rural, a pastoral rural reunia pessoas da região mas também do Paraná inteiro, promovia cursos para liderança e nesses encontros o pessoal começou a olhar e perceber que o Turvo estava se organizando, alguns agricultores estavam conseguindo progredir. Então Nova Tebas foi o segundo município a se organizar, o padre pediu para gente organizar um casal para eles começar também esse trabalho, então veio um casal da Bélgica para trabalhar lá. Depois foi Laranjeiras e Pinhão, criou-se uma associação em Pitanga, e Bernardo passou então a desenvolver um trabalho mais na região, com a pastoral rural ajudando a organizar as associações e também os sindicatos de trabalhadores rurais.

A entrevistada relatou ainda que a partir de então as pessoas passaram a sentir necessidade de uma organização que pudesse dar apoio ao trabalho, que estava se desenvolvendo, criou-se então a Fundação RURECO, da qual Hakvoort foi o primeiro coordenador. Segundo ela, “ele só deixou a Fundação para se dedicar à preservação das araucárias, em especial no Turvo, organizou daí o Instituto Agroflorestal (IAF) que tinha como objetivo a preservação da mata araucária e a sobrevivência dos agricultores”, o instituto contava com a participação de “agricultores familiares, envolvia os índios e tinha vários sócios não só do Turvo, mas de uma região mais ampla, técnicos, agricultores e várias pessoas envolvidas com a mata. E aí em 97, quando Hakvoort era coordenador do IAF, ele faleceu”.

Após sua chegada ao município, com a criação da Associação dos Hortifrutigranjeirosde Turvo, passou-se a incentivar a diversificação, organizar a produção e mercado para isso, criou a feira livre em Turvo e diversos agricultores vendiam na feira de Guarapuava.

Hakvoort buscou convênios para viabilizar a compra de insumos e a venda da produção, estabeleceu convênio com a BATAVO, com a COAMIG e CTP – o que garantiu o início da produção de frangos, o custeio da gerência, o treinamento de agricultores e, principalmente, o crescimento do movimento associativista em Turvo. Conseguiu, também, convênio com o governo do Estado e a implantação do escritório da ACARPA, em Turvo; estabeleceu convênio com o Instituto Cristão de Castro conseguindo bolsas de estudo para jovens estudantes. Com tal assessoria a Associação se fortaleceu, tendo uma boa equipe técnica para assistência às comunidades e aos clubes de mães.(HAKVOORT, 1998).

Entre 1979 a 90 trabalhou como coordenador e membro da Pastoral Rural na região, promovendo cursos e seminários de formação de lideranças, apoiando a organização de entidades nos demais municípios da região, assim surgiram as Associações de lavradores e Sindicatos de Trabalhadores Rurais de Nova Tebas, Pitanga, Laranjeiras do Sul e Pinhão. Em 1986 foi constituída em Turvo a Fundação para o Desenvolvimento Econômico Rural do Centro-Oeste do Paraná (RURECO), cuja atuação foi regionalizada e tornou-se bastante representativa em termos políticos, econômicos e sociais.

Em 1992 Bernardo deixou a coordenação da Fundação Rureco e dedicou-se a estudar os problemas da agricultura no Estado e no País, esse trabalho levou tempo, mas deu origem a Campanha Nacional em Defesa da Agricultura Familiar, refletida nas mobilizações nacionais de agricultores nos gritos da Terra I, II e III.  Em 1995, voltou a trabalhar com especial olhar para o Turvo e fundou o Instituto Agroflorestal.

Dedicou-se em escrever e sugerir propostas de políticas públicas e ideias para planos de governo, sonhava em formar uma Associação de Proprietários de Terras com Florestas, fazia parte do conselho de desenvolvimento do município e viveu com entusiasmo a constituição da Cooperativa de Crédito com Interação Solidária,  a terceira CRESOL da região. De acordo com a entrevistada, “Bernardo queria ver o Turvo como um exemplo de município, com uma riqueza enorme de natureza e queria ver todo mundo reunido com esse ideal, por isso que ele escreveu aquele livro, ele queria deixar um tipo de desafio para quem viesse a trabalhar e a governar o Turvo”. (VERCAUTEREN, Entrevista Temática, 06/07/2007).

 Ao lado do desenvolvimento econômico desejava um município agradável de viver, com esse intuito escreveu um livro onde deixou registrada sua visão humana, espiritual, ética e moral; suas ideias e propostas para resolver os problemas, para melhorar a qualidade de vida das pessoas, embelezar a cidade, e manter viva a memória de Turvo.

Durante seu depoimento a entrevistada confessou que Hakvoort além da agricultura, gostava ainda de música clássica, de ler bons livros sobre assuntos diversos, dos serviços de marcenaria e construção e até mesmo de fazer brinquedos para as crianças. Segundo ela, ele se preocupava muito com as relações familiares e com o desenvolvimento da região, seus projetos tinham um fundo político e econômico, mas ele estava sempre atento às questões relacionadas à saúde e à educação. 

Segundo ela muita coisa não está como ele sonhava, mas observou que muito do que se iniciou teve continuidade. Desenvolveu muitas idéias para melhorar as condições de vida e desenvolvimento da sociedade regional, algumas colocadas em prática e outras que sobrevivem na sua obra como um plano de desenvolvimento que pode ser adotados pelos herdeiros de suas crenças.

4. Desenvolvimento Sustentável

Um dos conceitos nucleares que há que se articular é o de desenvolvimento sustentável, segundo, Norbert Fenzl Doutor em Geologia e Geoquímica Ambiental, Coordenador do Núcleo de Meio Ambiente (NUMA), de um modo geral o desenvolvimento sustentável articula-se levando em conta as seguintes metas e objetivos básicos: a taxa de consumo de recursos renováveis não deve ultrapassar a capacidade de renovação dos mesmos; a quantidade de rejeitos produzidos não deve ultrapassar a capacidade de absorção dos ecossistemas; os recursos não renováveis devem ser utilizados somente na medida em que podem ser substituídos por um recurso equivalente renovável. O autor conclui que “resumindo podemos dizer que em última instância, o conceito de desenvolvimento sustentável descreve um processo socioeconômico, ecologicamente sustentável e socialmente justo” (FENZL).

Dessa forma, o desenvolvimento autossustentável coloca-se não só como uma alternativa para a agricultura, mas também para contornar os graves problemas sociais e ambientais, característicos do atual modo de produção capitalista.

Entendendo-se que o Paraná é um dos maiores produtores agrícolas do Brasil e se destaca no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável e a agricultura familiar. Desde o princípio da colonização do Brasil, a agricultura familiar, ainda que não conceituada devidamente parece ter uma importância muito vasta no que diz respeito à sobrevivência e desenvolvimento do campo. Porém foi só no final da década de 1970, que se iniciou na região centro-oeste do Paraná um trabalho de organização dos agricultores familiares, foi uma tentativa para melhorar o desenvolvimento local, assessorado por pastorais católicas, tais como: Pastoral Rural, e Fundação RURECO. 

No município de Turvo essa organização tornou-se visível a partir de 1977,  com a vinda do casal Bernardus Henricus Franciscus Hakvoort e Agnes Vercauteren Hakvoort, que passam a organizar e assentar as bases para a formação de uma associação para representar e organizar os pequenos produtores. O município nessa época não contava com nenhuma assistência ou orientação técnica de qualquer órgão à agricultura, quer Estadual ou de cooperativas regionais, Bernardo e Inês (como eram chamados) passaram a promover reuniões para a conscientização dos agricultores.

biografado em sua obra Turvo no caminho do desenvolvimento sustentável, expressa sua concepção sobre desenvolvimento sustentável, ao abordar sobre religião nos passa o seu parecer sobre como deve ser o desenvolvimento, segundo ele é impossível proceder com um plano de desenvolvimento desvinculado da religiosidade, o uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura bem como a destruição das florestas é entendida por ele como um desajuste entre o homem e o conjunto da Criação, criador e criação devem estar ligados para o bem comum.

O autor escreve sobre religião sobre sua importância e sobre o próprio sentido da palavra religião, no entanto não faz apologia a nenhuma religião em específico, ao contrário considera que as religiões são caminhos diferentes que convergem para o mesmo ponto, e que sendo assim não há importância em seguirmos por caminhos diferentes desde que alcancemos o mesmo objetivo, seu trabalho levou em conta o ecumenismo, como citou Agnes em entrevista:

Ele sempre se interessou muito pela questão da origem do cristianismo, na verdade ele fez um curso na Holanda de licenciatura para dar aula de religião, mas na verdade era mais uma busca pessoal para achar resposta de quem é Jesus, da onde que veio, por que a igreja? Porque as religiões? Então ele se interessava muito por isso. Embora que, por outro lado, aqui no Turvo ele procurava muito o ecumenismo, então ele se dava muito bem com todas as igrejas, uma relação boa com a igreja presbiteriana, luterana, católica. Ele sempre procurou aproximar muito as pessoas, acho que isso foi uma característica muito forte do Bernardo tanto a partir das igrejas quanto entre pequenos e grandes produtores, em beneficio da mata ele conseguia conversar com todo mundo, com os políticos dos vários partidos, com as serrarias, com os proprietários das terras, com os pequenos agricultores, ele conseguia trazer todo mundo e achava que era importante que todos tivessem o mesmo objetivo de tentar preservar esse patrimônio que Turvo ainda possuía.(VERCAUTEREN, Entrevista Temática, 06/07/2007).

Quanto à preservação ambiental, a principal preocupação do biografado era com a Araucária, abundante no município na época, mas que sofria uma grande devastação, pois o período abordado era de grande procura, vale lembrar que em 1987 dez anos após a chegada de Hakvoort, o município contava com aproximadamente vinte serrarias, um grande número se levarmos em conta a população da época. Em sua obra ao falar sobre a industrialização, supõe que a madeira seja utilizada de forma a gerar mais renda e preservando as florestas, a exemplo disso sugere incubadoras industriais, o beneficiamento das madeiras no município seria uma forma de gerar mais renda. Tais incubadoras deveriam ser colocadas em terrenos para indústrias perto do Turvo e outras nos distritos, aliás, o seu programa de desenvolvimento num todo era para uma industrialização descentralizada, que atingisse a todos, isso se justifica no fato de acreditar no desenvolvimento que leva em conta a família e a preservação.

Segundo esse pensamento, automaticamente o dinheiro ganho na indústria possibilitaria mais investimentos nas chácaras, a agricultura familiar ajudaria a pequena indústria com a mão-de-obra e a indústria à agricultura familiar garantindo uma renda extra, e a permanência das famílias no campo. No município de Turvo houve e ainda há uma grande emigração de jovens devido à falta de perspectiva/emprego, se analisássemos mais a fundo verificaríamos que a população principalmente interiorana é hoje na sua maioria formada por pessoas mais velhas. A economia nessa época caracterizava-se pela agropecuária e indústria madeireira, apresentava umas das maiores produções de erva mate da região centro-oeste, no entanto não havia nenhum tipo de planejamento para extração controlada dessas espécies, essa era uma das grandes preocupações de Hakvoort, gerar renda, e manter as pessoas em seu ambiente cultural, com melhores condições de vida e fazendo uso adequado desse habitat.

Ao tratar da industrialização não esqueceu da indústria de confecção e de artesanato, a comunidade indígena tinha uma produção artesanal riquíssima, destaca o trabalho com ferraria, calçados e artesanatos em couro, além das costureiras, bordadeiras. Trabalhos como, os de marceneiros, carpinteiros, pedreiros, deveriam ser preservados e valorizados, jovens e adolescentes poderiam ter aulas com as pessoas do município mesmo, logo, reconhece a importância do apoio da Administração Pública neste setor, isso se faria através da promoção de cursos, treinamentos, incentivos para ampliação da atividade já existente e instalação de novas indústrias.

O autor evidencia o interesse da população do município em produzir leite, erva-mate e peixes, que para ele são excelentes culturas especialmente para pequenas e médias propriedades, para propriedades com Faxinal e com cobertura florestal, podendo ser combinadas, um bom projeto de incentivo deveria ser elaborado. Orientava ainda, as pessoas sobre como e o que fazer para termos maior produção levando em conta as preservações sugeridas (culturais e ambientais).

No pensar de Hakvoort a agricultura familiar era um privilégio para o município, segundo ele essa forma de agricultura já havia mostrado sua importância a nível mundial, por oferecer produtos mais saudáveis e baratos, proporcionando emprego para muitas pessoas, enquanto que as grandes empresas rurais acabam optando por um pacote tecnológico que como sabemos requer menos mão de obra, mais agrotóxicos e que afeta diretamente os ecossistemas. Segundo ele os governos municipais, estaduais e federais têm boas razões econômicas, ecológicas e socioculturais para investirem na agricultura familiar.

5. Sementes que geram frutos

O Instituto Agro Florestal Bernardo Hakvoort (IAF), surgiu com a missão de promover a conservação e enriquecimento dos remanescentes florestais, bem como para a recuperação dos ambientes florestais já degradados, e buscar a melhoria das condições de vida das famílias agricultoras que ali residem, produzem e vivem, através do desenvolvimento da agricultura familiar sustentável, baseada na agroecologia (INSTITUTO AGROFLORESTAL BERNARDO HAKVOORT). Atualmente desenvolve vários projetos, organiza os Agricultores em grupos ou cooperativas, dando sustentação para o desenvolvimento desses.

Hakvoort sempre insistia que: “(...) não podemos pensar pequeno, no sentido de atingir poucos produtores, precisamos pensar grande; montar um projeto que atinja o município inteiro” (HAKVOORT, 1998, p.10). E assim o Instituto vem procurando estimular à produção a preservação com o intuito de promover o desenvolvimento ecologicamente e socialmente correto do município.

Ao narrar o que presenciava no município, Hakvoort chama atenção para os projetos ecológicos e sua importância para o futuro da região: 

Terra dos pinheirais até quando? Quando cheguei no Turvo, 20 anos passados, Turvo era rodeado por Pinheirais fechados. Ninguém imaginava que isto iria mudar. Nos últimos anos estão surgindo grandes “buracos” dentro desta bela floresta. Os Pinheirais de Turvo estão ameaçados com o desaparecimento. O rápido corte da floresta está se tornando um desastre ecológico, econômico e sócio- cultural. Sem as florestas de araucárias, Turvo não tem futuro. Turvo esta matando a galinha que poderia botar ovos de ouro. (HAKVOORT, 1998, p.35)

Sua atuação despertou a preocupação de algumas lideranças que resolveram criar uma Organização Não Governamental, o IAF, que tinha por objetivo apoiar a Agricultura Familiar na área agroflorestal, junto com os proprietários das florestas e faxinais achar caminhos para a preservação com uso deste importante ecossistema.  Ao entender que a preservação não é só responsabilidade dos proprietários, mas também de toda comunidade, o Instituto desenvolve sistemas de manejo que aumentam a renda por alqueire e passa a pesquisar alternativas que aumentem a renda dos proprietários das florestas.Vamos trabalhar juntos, para garantir que isto se torne realidade. Deus criou este belo jardim das Araucárias. É responsabilidade de todos nós de respeitar e manter esta obra do senhor”.(HAKVOORT,1998, p.36).

Com relação à preservação das florestas e faxinais (muito presentes ainda no município), destaca a importância de apoiarmos as pessoas que fazem o possível para preservar as últimas florestas da araucária, para que possa haver a preservação é preciso aumentar a renda na propriedade, mas isso levando em conta todos os fatores que compõem a sustentabilidade. 

Considerações finais
        
Após pesquisarmos brevemente parte da vida de Bernardo Hakvoort, percebe-se nele um estudioso do município, estudou aspectos geográficos como clima, solo, relevo e aspectos sociais, culturais e econômicos. E um memorialista, afinal todo seu trabalho foi feito com um olhar no passado, nas tradições, nas técnicas utilizadas pelos agricultores, com o intuito de utilizá-las e preservá-las. 

Foi ainda, um político, no sentido em que buscou representar a população e lutar pelos seus interesses e um crítico de Turvo, pois conseguia vislumbrar as diferenças sociais e conflitos da sociedade.

A partir de seus escritos percebe-se sua preocupação com o turismo em TurvoHakvoort acreditava que o município tinha possibilidade de se tornar um dos mais importantes centros turísticos do Sul do País, pensava em turismo de saúde – em virtude da rica flora de plantas medicinais, e também com a memória, compreendendo a importância de preservar a história do município.

Dizia ele: Turvo é um município com história, ou melhor, com uma população que tem uma rica história. É muito interessante falar com pessoas que ainda sabem como viviam os antepassados, muitos moradores do nosso município têm pais e avôs que ainda vieram da Europa, ou eram índios com sua rica cultura” (HAKVOORT, 1998, p.21).

O ambientalista gostaria de ter trabalhado na elaboração de um livro sobre a história do Turvo, e queria que o mesmo fosse feito através da pesquisa oral, defendia também a implementação de um museu onde ficariam guardados quaisquer “documentos” do passado: fotos, ferramentas, pilões, rodas de água, carroças, etc, com espaço para todas as etnias radicadas no Município. Seu interesse pela história leva em conta todas as classes, etnias, e todos os aspectos, ou seja, valoriza coisas pequenas e cotidianas, não fica só na história do desbravador ou da emancipação política. 

Em sua obra apresentou idéias que a seu ver poderiam tornar o Turvo um município bonito e típico no meio dos pinheirais, com qualidade de vida e história, pretensão possível a seu ver, se houvesse interesse comum. 

Esses são alguns aspectos que se pode esboçar no espaço de um artigo, o presente estudo não tem a pretensão de ser completo, todavia aspira contribuir para a produção historiográfica turvense e suscitar novos questionamentos acerca dos assuntos por ora elencados.

Referências

BARCELOS, Cezar Augusto; AZEVEDO, Francisca Nogueira e outros. Questões de teoria e metodologia da história. Biografia e gênero. UFRGS, 2000.

BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M.; AMADO, J. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1998.

FENZL, Norbert. Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 21. Disponível em: . Acesso em: 05 de jan. de 2007.

HAKVOORT, Bernardo. Turvo no caminho do desenvolvimento sustentávelGuarapuava: Editora da Unicentro, 1998.

IANNI, Octavio. O ciclo da revolução burguesa. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1984.

INSTITUTO AGROFLORESTAL BERNARDO HAKVOORT. Disponível em : . Acesso em: 25 de set. de 2007.

PRADO JUNIOR, Caio – História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1997.   

PREFEITURA MUNICIPAL DE TURVO. Turvo Cidade dos Pinheirais. Londrina: Gráfica Modelo, 1987.

VERCAUTEREN HAKVOORT, Agnes. Entrevista temática concedida em 06 de jul. de 2007.