quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Aspectos econômicos e históricos da Erva-mate na sociedade paranaense




Introdução

A erva-mate é apontada pela maior parte da bibliografia referente ao assunto como o primeiro produto a impulsionar tanto a economia quanto as relações sociais da então província do Paraná, tanto que teve o maior peso econômico para o processo de emancipação política da mesma. É também apontada como um dos “ciclos” da economia do Estado do Paraná, que antecedeu o da madeira. Foi o responsável pela primeira fase da industrialização do Estado, diretamente relacionado à implantação de indústrias para o beneficiamento da erva-mate. No presente trabalho serão abordados os principais aspectos da atividade ervateira no Paraná, através de pesquisas bibliográficas publicadas sobre o assunto.

1 – Caracterização da Erva-mate

A erva-mate, que tem o nome científico Ilex paraguariensis, é uma planta originária da América do Sul, ocorrendo naturalmente na Argentina, Brasil e Paraguai. A Região Sul do Brasil é a maior produtora de folhas, matéria-prima utilizada na fabricação de bebidas típicas como o chimarrão e o tererê. A forma mais difundida para saboreá-la é o chimarrão (infusão de água quente com erva-mate beneficiada) preparado em recipientes típicos conhecidos como cuias. Esse modo de preparo é a principal forma de consumo do produto no Brasil. Segundo RUCKER in SANTOS (2004), 90% do consumo da erva-mate se dá na forma de chimarrão. A erva-mate oferecida ao mercado consumidor nesta forma de apresentação é a responsável pela sustentabilidade do setor ervateiro.

A erva-mate (Ilex paraguariensis Saint Hillaire) pertence à família Aquifoliaceae e é considerada um produto de origem florestal não madeirável, com cultivo denominado de silvicultura. A erva-mate é uma árvore perene semelhante a uma laranjeira, com seis a oito metros de altura, nativa da América do Sul. A área de ocorrência natural, apresentada na Figura 1, compreende o Noroeste Argentino, Leste do Paraguai e Sul do Brasil. A zona ervateira brasileira com produção agroindustrial está localizada nos estados produtores: Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e o sul do Mato Grosso do Sul (SANTOS, 2004).

A erva-mate forma um dos sistemas mais característicos brasileiros, sendo explorada de forma nativa (na mata, em pastagens, com culturas anuais e adensada) e cultivada solteira ou em sistema agroflorestal com culturas anuais (feijão, milho, soja, mandioca, arroz, etc.), em consórcio com outras espécies florestais, com pastagem, fruticultura, etc.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, em 1998, a produção brasileira foi de 325 mil toneladas de erva cancheada, estando concentrada nos Estados do Paraná (49,4%), Santa Catarina (21,4%), Rio Grande do Sul (28,1%) e Mato Grosso do Sul com 1,1% da produção. Além do grande número de agricultores envolvidos na produção primária, para o processamento dessa produção existem 224 micro-empresas, 460 pequenas empresas e 66 médias/grandes empresas totalizando 750 empresas no Brasil.

Segundo o livro “A Erva-Mate e o Parque Histórico do Mate", o termo “mate” é proveniente da língua quíchua “mati” que era a designação da cuia, recipiente onde é preparado a bebida, e este nome passou do recipiente ao seu conteúdo, sendo adotado a palavra mate, em toda a América do Sul, para denominar a bebida feita da erva-mate.


FIGURA 1 – ÁREA DE OCORRÊNCIA DA ERVA-MATE EM PAÍSES DO CONE SUL

FONTE: Gerhardt, 2013.

Atualmente a exploração da erva-mate ainda é uma atividade importante na economia brasileira, especialmente na paranaense, devido, basicamente, às seguintes características (EMBRAPA):
a) Ambiental: quando plantada em curvas de nível, contribui no combate à erosão do solo;
b) Social: no Brasil, atualmente, é produzida em 180 mil propriedades rurais de 596 municípios, gerando mais de 710 mil empregos diretos constituindo-se numa das poucas opções de emprego e renda no meio rural, principalmente nos meses de junho, julho e agosto, época da concentração da poda (colheita);
c) Econômica: além de ser a principal atividade econômica de muitos produtores e municípios, rende diretamente mais de R$ 175 milhões anuais.

2 - Beneficiamento

No início da fase de exploração da erva-mate, o processo de beneficiamento da iniciava ainda nos ervais, após o corte, era feito o sapeco dos ramos, que em seguida eram transportados para o carijo ou barbaquá, em forma de feixes ou raídos, pesando de 60 até 150 quilos, que o ervateiro levava às costas, muitas vezes em longos percursos. Depois da secagem definitiva a produção do mate era transportada para o litoral notadamente para Porto de Cima, por tropas de muares, para ser beneficiada nos engenhos de soque que começaram a se instalar a partir de 1820, ano em que Antonio Ricardo dos Santos estabelece o primeiro soque hidráulico, que beneficiava 120 arrobas diárias de erva.

Apesar das dificuldades para o transporte, devido às precárias vias de escoamento ao litoral, já em 1832, instala-se no planalto, o primeiro engenho de soque. Mas foi com a conclusão da Estrada da Graciosa em 1873, que a indústria ervateira teve grande impulso e Curitiba passou a ser o centro de beneficiamento. Surgiram novos engenhos e a erva já elaborada, descia ao litoral transportada em carroções eslavos, tracionados por até quatro parelhas de cavalos.

Sendo inaugurada a navegação a vapor no rio Iguaçu em 1882 por iniciativa de Amazonas de Araújo Marcondes, a partir de então, durante 70 anos, embarcações de todos os tamanhos, navegaram pelos rios: Iguaçu, Negro, Potinga, Timbó e Canoinhas. Os vapores maiores carregavam em média 800, e as lanchas, 300 sacos de erva-mate. Usavam lenha como combustível e atingiam uma velocidade de 10/12 km horários rio acima e de 16/18 km rio abaixo.

Com o passar dos tempos, os meios de transporte tradicionais foram superados pela ferrovia. O trecho ligando Curitiba aos portos de Antonina e Paranaguá em breve transforma-se na principal via para o escoamento da erva-mate destinada à exportação. Já no ano de 1826, a exportação ervateira se constituía na base de todo o comércio exterior da quinta Comarca, razão pela qual foi criada um ano depois, a Alfândega de Paranaguá. Eram inicialmente bergantins, galeras e sumacas e posteriormente navios, que partiam de Paranaguá com destino ao Rio de Janeiro, Buenos Aires, Valparaíso e Montevidéu. No extremo oeste paranaense a Companhia Matte Laranjeira ganhou em 1882, por Decreto Imperial a concessão para exploração da erva-mate no sul do Mato Grosso. O transporte era efetuado pelo rio Paraná e para transpor as corredeiras das Sete Quedas, foi construído um ramal ferroviário entre Guaíra e Porto Mendes.


3 - Aspectos históricos da Erva-mate

Os primeiros a fazerem uso da erva-mate foram os índios Guaranis, que habitavam a região das bacias dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai, na época da chegada dos colonizadores espanhóis. De meados do século XVI até aproximadamente 1632 a extração de erva-mate era a atividade econômica mais importante da Província Del Guairá, território que abrangia praticamente o Paraná, e no qual fora fundado 3 cidades espanholas e 15 reduções jesuíticas (Histórico da Erva-mate).

O uso desta planta como bebida tônica e estimulante já era conhecido pelos aborígenes da América do Sul. Em túmulos dos pré-colombianos no Peru, foram encontradas folhas de erva mate ao lado de alimentos e objetos, demonstrando o seu uso pelos incas.
A tradição do chimarrão é antiga. Soldados espanhóis aportaram em Cuba, foram ao México "capturar" os conhecimentos das civilizações Maia e Azteca, e em 1536 chegaram à foz do Rio Paraguay. No local, impressionados com a fertilidade da terra às margens do rio, fundaram a primeira cidade da América Latina, Assunción del Paraguay.

Os desbravadores, nômades por natureza, com saudades de casa e longe de suas mulheres, estavam acostumados a grandes "borracheras" - porres memoráveis que muitas vezes duravam a noite toda. No dia seguinte, acordavam com uma ressaca proporcional. Os soldados observaram que tomando o estranho chá de ervas utilizado pelos índios Guarany, o dia seguinte ficava bem melhor e a ressaca sumia por completo.

Assim, o chimarrão começou a ser transportado pelo Rio Grande na garupa dos soldados espanhóis. As margens do Rio Paraguay guardavam uma floresta de taquaras, que eram cortadas pelos soldados na forma de copo. A bomba de chimarrão que se conhece hoje também era feita com um pequeno cano dessas taquaras, com alguns furos na parte inferior e aberta em cima. O comerciante Rômulo Antônio, dono da Casa do Chimarrão, em Passo Fundo, há mais de 20 anos, explica que os paraguaios tomam chimarrão em qualquer tipo de cuia. "Até em copo de geléia", diz. São os únicos que também têm por tradição tomar o chimarrão frio... O "tererê" paraguaio pode ser tomado com gelo e limão, ou utilizando suco de laranja e limonada no lugar da água.

Os primeiros jesuítas estabelecidos no Paraguai (posteriormente nas missões), fundaram várias feitorias, nas quais o uso das folhas de erva mate já era difundido entre os índios guaranis, habitantes da região.
Posteriormente observou-se que os indígenas brasileiros, que habitavam as margens do rio Paraná, utilizavam-se igualmente desta Aquifoliácea. Outras tribos não localizadas em regiões de ocorrência natural da essência, possuíam o hábito de consumi-la, obtendo-a através de permuta (trocas) (UCS).

Esteio da nossa economia por longo período, a erva-mate é considerada a primeira atividade agroindustrial organizada do Paraná. No fim do século XIX, a erva-mate dominou a economia e criou uma nova fonte de riqueza para os líderes que partilhavam o poder. Com o aparecimento das estradas de ferro, ligando a região da araucária aos portos e a São Paulo, já no final do século XIX, ocorreu novo período de crescimento. A grande importância do mate no estado do Paraná pode ser comprovada ao analisar o processo de emancipação política, concretizada em 19 de dezembro de 1853, quando foi o maior argumento de ordem econômica e sendo o principal responsável pela efetivação desta.

Bento Munhoz da Rocha, governador do Paraná, disse, neste sentido: "essa preciosa ilexinia tem sido o grande bem do Paraná. Em verdade a erva-mate constitui a coluna de ouro da nossa riqueza econômica, dela emanam as nossas principais fontes de renda, nela assenta todo o engrandecimento e prosperidade do Paraná".

A erva-mate, responsável por um dos mais longos e produtivos “ciclos” econômicos da história paranaense, teve seu apogeu, no século XIX. Nesta época o Paraná era somente a quinta Comarca da Província de São Paulo, da qual dependia e sofria influência nos negócios internos. Com o advento do mate, surgiu uma atividade com técnicas que os paulistas desconheciam, fugindo-lhes das mãos o controle da florescente indústria. No bojo da atividade ervateira, que chegou a representar 85 por cento da economia da nova província, instalaram-se indústrias: em 1853 existiam 90 engenhos de beneficiamento de mate; floresceram cidades como Guaíra, desbravada e colonizada pela Companhia Matte Laranjeira S. A., Rio Negro que abrigava uma burguesia ervateira abastada e influente e tantos outros centros urbanos que evoluíram de portos fluviais como União da Vitória, Porto Amazonas e São Mateus do Sul.

Na história de Curitiba, capital do Paraná, ao garimpo e às tropas seguiu-se a erva-mate, convivendo com a madeira. A erva-mate nativa, primeiro apenas extraída, acabou gerando um ciclo econômico forte quando começou a ser beneficiada no próprio Paraná. Surgiram os engenhos e os seus senhores, os chamados "Barões da erva-mate", que residiam em Curitiba. Da passagem do século XIX para o século XX e até as primeiras décadas deste, a cidade viveu com alguns engenhos e muitas mansões, caracterizando os atuais bairros Alto da Glória e Batel.

O abastecimento alimentar sempre foi problemático para os governantes de Curitiba. No início do século 19, a valorização da erva-mate no mercado internacional agravou a situação por causa do aumento do número de engenhos e a decorrente redução de agricultores que cultivavam os alimentos básicos. Ao mesmo tempo em que a economia e o comércio urbano se expandiam, a população sentia os reflexos da carestia de gêneros alimentícios (PARANÁ).

Enquanto os engenhos de mate se espalhavam na região onde hoje se situa o bairro Rebouças, os proprietários, conhecidos como “barões do mate”, e que enriqueceram às custas da erva colhida e processada, e depois exportada para várias partes do Brasil e até do mundo, construíram palacetes cada vez mais sofisticados, e tomaram conta do atual bairro do Batel. O acesso era feito pela antiga Estrada do Mato Grosso, a atual Rua Comendador Araújo (PARANÁ).

O setor na época já tinha iniciativas de organização, pois entre 1938 e 1957 existiu o Instituto Nacional do Mate, que embora se localizasse no Rio de Janeiro, ou seja, bem distante dos produtores, este incentivava e orientava todos os participantes do setor. No entanto, após o Golpe de 1964, foi extinto o referido órgão público e, logo em seguida, criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), que, sediado em Brasília, concentrou suas atividades em outros setores, como de pínus e eucaliptos, deixando a erva-mate em uma situação irrelevante perante o órgão.

Foi na esteira do chamado “ciclo” da erva-mate que os transportes tiveram grande impulso: desenvolveu-se a navegação fluvial no rio Iguaçu; construiu-se a Estrada da Graciosa e a Ferrovia Curitiba-Paranaguá, concluída em tempo recorde de apenas cinco anos.
Notável foi a influência da erva-mate no comportamento social da população das regiões ervateiras e de Curitiba, especialmente, onde até o início da Revolução de 1930, existiam mais de uma dúzia de engenhos.

Segundo Rucker et all (2003):

O Paraná sempre se destacou pela grande produção de erva-mate, colhida por milhares de trabalhadores em ervais nativos ou em áreas de ervais plantados. A venda da erva colhida sempre representou uma fonte de recursos para a subsistência de muitas famílias no meio rural. Como se não bastasse a presença da atividade ervateira em boa parte das pequenas propriedades rurais paranaenses, as maiores empresas processadoras do produto também estão localizadas no Estado.

Paralelo à indústria ervateira, desenvolveram-se fábricas de barricas para acondicionar o produto e suas sociedades de classe, como a Sociedade Beneficente dos Barriqueiros do Ahu entre outras. Com todo este progresso econômico e social, o Paraná acabou subitamente introduzido nos tempos modernos, surgindo um certo bem-estar e confiança no futuro. Foi a erva-mate o esteio econômico do Estado, até o início da II Guerra Mundial, quando a produção começou a declinar sendo substituída por outros ciclos, que não chegaram a ter, entretanto, a ressonância e o esplendor da erva-mate. Longos e árduos foram os caminhos percorridos pela erva-mate, ajudando a escrever a história econômica e a tradição cultural do Paraná.

Na atualidade, segundo a Embrapa, o cultivo da erva-mate abrange cerca de 180.000 propriedades dos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. As propriedades em que ela é cultivada são, na maioria, pequenas e médias o que lhe assegura uma importância social expressiva.

Conclusão

A erva-mate foi um dos mais importantes produtos econômicos na história do Estado do Paraná, pois gerou riquezas e fortaleceu politicamente a população para ser efetuada a emancipação política da então província que era ligada à de São Paulo. Foi uma atividade que gerou empregos, promoveu um início de industrialização, e a colonização do interior do Estado. Também é importante que teve ligação com a formação de muitas cidades paranaenses, como Curitiba, por exemplo, que no auge da exploração da atividade, teve o seu desenvolvimento atrelado à geração dos lucros do mate, quando surgiram os chamados “barões da erva-mate”. Ainda hoje a erva-mate é representativa, mantendo o Estado como o maior produtor do Brasil, exportando, inclusive, parte da produção.

Ver mais em:



Referências

SANTOS, K. A. DOS. Estabilidade da erva-mate (ilex paraguariensis st. Hill.) em embalagens plásticas. Dissertação de mestrado Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2004. Disponível em: DF/ervamate_klebertese.pdf> Acessado em 15 de novembro de 2007.

HISTÓRICO DA ERVA-MATE. Disponível em: <http://www.pr.gov.br/phmate/historico.html>. Acessado em 15 de novembro de 2007.

História do Chimarrão. Disponível em: . Acessado em 15 de novembro de 2007.

RUCKER, N. G. de A et all. Agronegócio da Erva-Mate no Estado do Paraná - Diagnóstico e Perspectivas para 2003. Disponível em: <>. Acessado em 15 de novembro de 2007.

EMBRAPA – Disponível em: Acessado em 15 de novembro de 2007.


UCS – Universidade de Caxias do Sul . Disponível em: <http://www.ucs.br/ccet/defq/naeq/material_didatico/textos_interativos_19.htm>. Acesso dia 15 de Novembro de 2007.PARANÁ - Breve História do Abastecimento em Curitiba Uma viagem no tempo. Disponível em: <http://www.viaje.curitiba.pr.gov.br/mercado/historia_proposta.html>. Acessado em 15 de novembro de 2007.


3 comentários:

  1. Anônimo2:56 PM

    trabalho no Núcleo de Cultura de Venâncio Aires- RS, e este é uma ONG, aprovamos um projeto que busca tornar o chimarrão patrimônio imaterial do brasil, este é financiado com recursos da petrobrás cultural, estamos levantando fontes, e numa destas buscas encontrei este texto, muito bom por sinal, se tiveres interesse em nos contatar ou enviar mais materias, quem sabe participar desta pesquisa, nos seria interessante um contato com alguém do Paraná!

    telefone 051**37415713
    cel. 051**92054210
    jaque_richter@yahoo.com.br
    MSN- jaque_kist@hotmail.com


    muito obrigada!

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  2. Anônimo1:56 PM

    nossa nao me deu informaçao nenhuma muito obrigada ta

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